terça-feira, 4 de novembro de 2014

Cê sabe?



 Sugestão: leia ouvindo  Civil Twilight - "Letters From The Sky"

Cê sabe que não gosto de fones de ouvido por sua causa? E um dia desses você botou um disco e me chamou pra ouvir a tua música favorita com os braços enrolados em mim. Pensei em te pedir pra desatar de primeira. É uma confusão danada de sentimentos que dá na gente quando alguma coisa nova, nunca sentida antes, apertava o meu peito. Me sentia desconfortável e nem conseguia prestar atenção na letra. Suava frio. O abraço teu tinha um quê de intimidade que eu não tive nem quando tava jogada numa cama enrolada num lençol...
Sabe que eu acho brega o nosso tratamento informal, mas me assusto quando você chama o meu nome porque parece bronca? E diz: "Mô, chega mais que o meu peito é teu pra não passar mais frio". A gente é brega sim pililim! E toda intimidade dá medo, mas é ela que nos aproxima, deixando nossos corpos, cheiros e toques com jeito de cena de cinema.
Cê sabe que meu olho vira uma lupa e dá pra ver tuas rugas, cravos, cabelos brancos? E as pintas que eu já contei mais de uma vez e que imagino serem um enigma para um mapa de tesouro... É tanto detalhe que no silêncio eu descubro o meu coração bater forte como numa sinfonia desajustada e quase pular do peito antes “deu” encostar na tua boca e te dar aquele beijo quente e molhado, beijos de 5 minutos... Queria ter passado por isso só na primeira vez, mas é todo dia. Como se você mexesse n’alguma coisa cá dentro de mim, como se você me tirasse a roupa com os olhos e me injetasse adrenalina nas veias.
Fica sabendo que eu escrevi nas minhas paredes as coisas tortas que aprendi contigo e prometi, sempre prometo, que um dia eu toco a canto a sua música favorita, assim baixinho ao pé do seu ouvido, numa forma de declaração...
Tu sabes que eu pego sotaque fácil e foi mais fácil ainda aprender a dizer as tuas sílabas numa prosa distante que nem parece minha, mas é nossa. E sabe que eu nunca gostei de ficar grudada? Falo que sim, que adoro que ficar enrolada ao seu corpo quente só pra me jogar no teu ombro e sentir os teus dedos num cafuné caseiro feito sob medida.
Hoje em dia o teu corpo é lar e eu já não chamo mais de casa. Não me falta abrigo e não importa estação, não importa frio ou fogo, não me importa na-din-ha porque eu sempre fui camaleão de nós dois.  
Hoje em dia eu te escrevo, escrevo estes textos que as outras pessoas leem sem saber que são para você e me perguntam de onde tiro tanta inspiração, e te respondo agora: tudo que eu escrevo retiro do mundo ao qual você me apresentou. E mesmo que eu não goste dos teus óculos modelo aviador, que eu não goste do teu perfume pra dia pois prefiro o teu cheio próprio de manhã, eu destaquei você nas coisas todas. No meu diário, no meu armário, nos contos e causos que eu crio e desfaço e nem questão de disfarçar eu faço. Sei do teu mundo e me afundo nele cada vez mais tentando chegar ao centro de você. Sei e não sei de tanta coisa, mas você não sabe disso. Até hoje eu não sei qual é a tua música favorita por conta dos calafrios, só me lembro da tua respiração, da minha palpitação, do nervosismo e das coisas que eu nunca esperei sentir, cê sabe?

__Texto de Daniel Bovolento com adaptações de Mirian Barreto